O Brasil possui uma das maiores riquezas de espécies e de recursos naturais do planeta, e atualmente, ambas sofrem sérios riscos que podem ser irreversíveis. A nossa ação para a restauração de ecossistemas é importante e urgente, mas nem sempre foi assim.
Os naturalistas do século XIX, além de se encantarem profundamente com a biodiversidade do Brasil, não precisavam se preocupar com a extinção das espécies, pelo contrário, a maior preocupação era em descobrir novos seres, nomear, catalogar, entender suas adaptações e até elaborar teorias sobre suas origens.
Os alemães Johann Baptist Von Spix e Carl Friedrich Philipp Von Martius desembarcaram no Rio de Janeiro em 1817, para integrar o grupo de estudiosos que acompanhavam D. Leopoldina, futura esposa de D. Pedro I. Eles viajaram pelo país numa missão que durou três anos, com o objetivo de identificar a biodiversidade ainda desconhecida. Foram 6.500 espécies de plantas catalogadas e 3.351 espécies de animais, além de muitos minerais e fósseis.
Em 1832, o naturalista inglês Charles Robert Darwin também se deslumbrou com as nossas florestas, em seu diário buscava palavras para relatar o que sentia diante da exuberante Mata Atlântica. Sobre o primeiro encontro contou:
“O deleite que se experimenta em momentos como esse confunde a mente. Deleite é um termo fraco para expressar a sensação de um naturalista que pela primeira vez vagueia em uma floresta brasileira".
Um mês depois de desembarcar no Rio, já morando em Botafogo relatou o seguinte: “Sentado numa árvore e comendo meu almoço na sublime solidão da floresta, o prazer que experimento é indizível… Se o olhar tenta seguir o voo de uma espalhafatosa borboleta, ele é detido por estranha árvore ou fruta… A mente é um caos do deleite.”
Imagem: Grupo Keystone
Darwin fez contribuições importantes no reconhecimento da fauna brasileira, identificou, classificou e estudou diversos organismos, marinhos e terrestres. Sua viagem a bordo do HMS Beagle ao redor do mundo e sua passagem pelo Brasil foram essenciais para a fundamentação de sua teoria sobre a evolução das espécies, que resultou na importante publicação do livro A Origem das Espécies.
Com o passar do tempo este cenário observado pelos naturalistas no século XIX foi se modificando, as populações humanas cresceram, as cidades aumentaram, o desmatamento se expandiu, o consumo excessivo dos recursos naturais subiu e os ecossistemas foram sendo intensivamente degradados. Tudo isso transformou boa parte dos ambientes, resultando na perda significativa de biodiversidade e gerando uma verdadeira crise ambiental.
Um novo olhar
Os pesquisadores do século XX perderam o privilégio de apenas se deslumbrarem e investigarem a biodiversidade, eles precisaram iniciar estudos sobre os impactos ambientais e a extinção acelerada das espécies.
Especialistas de todo o mundo contribuem com um indicador crítico da saúde da biodiversidade do planeta, através da criação da Lista Vermelha da IUCN, fundada em 1964. Essa é uma ferramenta poderosa que informa e potencializa ações de conservação das espécies ameaçadas e mudanças políticas, fundamentais para proteger os recursos naturais tão importantes para a nossa existência. Atualmente, existem nessa lista mais de 105.700 espécies, com mais de 28.000 ameaçadas de extinção.
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No Brasil temos uma lista nacional, o Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, que soma o esforço de 1.270 cientistas sob a coordenação do ICMBio, avaliando 12.254 espécies, sendo 1.173 ameaçadas.
Crise da biodiversidade
A biodiversidade diminuiu cerca de 30% nos últimos 50 anos, e isso se deve principalmente por alteração e perda dos habitats, introdução de espécies exóticas e organismos geneticamente modificados, poluição, mudança climática e superexploração de recursos naturais. Com isso, a espécie humana é afetada economicamente e socialmente, diminuindo diretamente a nossa qualidade de vida.
Em 2020, o WWF apresentou um relatório com dados extremamente alarmantes, entre 1970 e 2016 a população de mamíferos, aves, anfíbios, répteis e peixes sofreu um decréscimo de 68%! Se medidas estratégicas e organizadas não forem tomadas, os danos nos ecossistemas podem ser irreversíveis. A Terra está nos enviando diversos sinais vermelhos, e por isso, nós precisamos urgentemente entrar em equilíbrio com a natureza para não somente preservar a vida selvagem, mas também garantir a nossa sobrevivência.
Década da Restauração de Ecossistemas 2021-2030
Recentemente a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou o período 2021-2030 como a Década da ONU sobre Restauração de Ecossistemas, com o objetivo de intensificar os esforços para restaurar os ecossistemas degradados e destruídos. Medidas eficientes para combater a crise climática, melhorar a segurança alimentar, o fornecimento de água e a biodiversidade.
Um estudo da ONU aponta que a degradação dos ecossistemas terrestres e marinhos compromete o bem-estar de 3,2 bilhões de pessoas e custa cerca de 10% da renda global anual em perda de espécies e serviços ecossistêmicos, e que até 2050 a degradação e as mudanças climáticas poderão reduzir o rendimento das colheitas em 10% a nível mundial e até 50% em certas regiões.
Imagem: Grupo Cataratas
Os desafios enfrentados pelos cientistas no século XXI são imensos, é preciso muito empenho para reverter a situação atual. É fundamental um trabalho integrado, que una diversos atores e diferentes estratégias.
Conservação Integrada
A Conservação Integrada é realizada por todos os setores da sociedade, envolvendo a população, os cientistas, governo, ONGs, universidades, museus, escolas, empresas, zoológicos, aquários, unidades de conservação, áreas privadas etc. Uma verdadeira rede multipotente que une forças em prol do mesmo propósito, a conservação da biodiversidade.
Vamos juntos?
REFERÊNCIAS
Almond, R. E. A.; Grooten, M.; Petersen, T. (eds.) WWF, Gland, Suíça. Relatório Planeta Vivo ® e Índice Planeta Vivo ® são marcas registradas do WWF Internacional.
LECLÈRE, David et al. Curvar a curva da biodiversidade terrestre requer uma estratégia integrada. Nature , v. 585, n. 7826, pág. 551-556, 2020.
STRASSBURG, Bernardo BN et al. Áreas de prioridade global para restauração de ecossistemas. Nature , v. 586, n. 7831, pág. 724-729, 2020.
BRASIL, MMA. A Convenção sobre Diversidade Biológica-CDB. Cópia do Decreto Legislativo, n. 2, p. 30, 2000.
ARONSON, James et al. Um mundo de possibilidades: seis estratégias de restauração para apoiar a Década das Nações Unidas para a Restauração de Ecossistemas. Ecologia da Restauração , v. 28, n. 4, pág. 730-736, 2020.
IUCN, Antecedentes e História. Disponível em: https://www.iucnredlist.org/about/background-history. Acesso em 31/05/2021.
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